Cielo se agarra ao instinto para voltar ao topo: 'Tenho minhas convicções'
Com Luiz Carlos Jr. narrando suas braçadas, nadador se arrepende de ter nadado 100m livre em Londres e relembra doping: 'Uma das maiores vitórias'
Naqueles poucos segundos debaixo d’água, Cesar Cielo pensa em tudo. Lembra de um compromisso que tem pela frente, da música que ouvia no carro, da marca que pretende alcançar... E, por vezes, imita mentalmente a voz de Luiz Carlos Júnior. É o narrador do SporTV quem costuma guiar as braçadas do maior nadador brasileiro, da largada até o metro final cada vez que entra na piscina. Mesmo em dias como os de agora, longe das competições, pautado por treinos leves e pelo estágio final de recuperação da pequena intervenção cirúrgica que fez para acabar com uma inflamação nos dois joelhos. Cielo não esquece seu lado competitivo. Treina para tomar de novo para si o posto de homem mais rápido do mundo da natação. E, ainda que evite lamentar os resultados nos últimos Jogos de Londres, admite: teria dado passos diferentes para não perder a soberania nos 50m livre.
Em entrevista ao "Esporte Espetacular", Cielo reconhece que lutou contra o próprio instinto ao nadar os 100m livre em Londres. Desde abril, ele diz, não se sentia confiante para repetir as últimas grandes competições, quando, mesmo nadando a prova que não é sua especialidade, conseguia se manter intacto nos 50m livre. Bronze nas Olimpíadas, ele terá menos de quatro anos para recuperar o posto de campeão olímpico nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016. E, para isso, passará a se guiar apenas pelas próprias convicções.
(João Gabriel Rodrigues/GLOBOESPORTE.COM)
- Não sou dos caras que acham que competir em casa é bom, não. Não sei. Não vai ser fácil para ninguém. No Pan já foi assim. A cobrança vai ser ainda maior. Não me incomoda, mas sei que não será fácil. Lógico que quero ganhar as Olimpíadas em casa. Minha vida vai ser em torno disso. Em 2016, vou olhar para trás e ver o que eu fiz. E vou ver que eu só nadei. Tudo em busca desse ouro – disse Cielo, que ainda se vê nadando nos Jogos de 2020, caso não seja “atropelado pela nova geração”.
Antes disso, porém, Cielo tem outros objetivos. Bicampeão mundial nos 50m livre, o nadador quer buscar um inédito tricampeonato com títulos em sequência em Barcelona, no próximo ano. Quer também voltar a subir no lugar mais alto do pódio nos 50m borboleta, como fez em Xangai, em 2011.
- Eu quero esse tri. Sei que há algo especial para mim no ano que vem. E não vou deixar nada atrapalhar isso.
No último Mundial, Cielo vivia o maior turbilhão de sua carreira. Flagrado no exame antidoping pelo uso do diurético furosemida durante o Troféu Maria Lenk, meses antes, o nadador ainda não sabia se poderia entrar na piscina em Xangai a três dias do início da competição. Apenas advertido pelo Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), ele foi liberado e conquistou dois ouros, além de um quarto lugar nos 100m livre.
- Era a farmácia que meu avô usava, tínhamos confiança no lugar. Nunca ia imaginar que isso fosse acontecer. Mas ficou claro que ninguém ganhou nada com isso. Eu considero uma das maiores vitórias da minha carreira. Três atletas receberam apenas uma advertência. Fiquei um mês sem comer, sem dormir para o Mundial. Eu perdi 5kg. Quando entrava na piscina, parecia que estava nadando em uma gelatina. Foi difícil, complicado. Quando olhei para o espelho em Xangai, foi a primeira vez que me senti realmente pressionado, com todos contra mim. Mas deu tudo certo, só gosto de lembrar da superação.
(João Gabriel Rodrigues/GLOBOESPORTE.COM)
- Eu não escutei nada do que falavam. Sei o quanto de legítimo tenho nas minhas vitórias e nos meus recordes. A gente, no Brasil, sempre vive um pouco atrás. Quando alguém ganha algo, sempre falam que foi favorecido de alguma maneira. Dá para o Brasil ganhar, sim. Esse problema não afetou meu jeito de pensar. Alguns eram ídolos, hoje não são mais. Não faço esse tipo de coisa (atacar os outros na mídia). Achei insensível da parte dele. A roda de amigos vai ficando cada vez menor – afirmou.
Cielo diz ser das pessoas mais emotivas, ainda que não goste de demonstrar isso. Afirma que, por diversas vezes, chorou ainda debaixo d’água, com as lágrimas escondidas pelos óculos. Faz parte do show tentar não expor esse lado chorão.
- Eu viajo muito nadando. Fico emocionado várias vezes, tenho vários pensamentos. Não sou o tipo de cara que vai chorar vendo “Marley e eu” (filme que conta a história da relação entre um cachorro e seu dono). Mas, quando vi “Coach Carter” (estrelado por Samuel L. Jackson, sobre a vida de um treinador de basquete universitário), tive de me segurar. A gente sabe que é daquele jeito, aquele esforço, aquela pressão. Reconhecer algumas coisas da nossa vida me deixa muito emotivo, libera esse lado emocional.
Cielo ainda não sabe quando voltará às competições. Diz que a recuperação da intervenção cirúrgica nos joelhos foi mais rápida do que imaginou. “Em uma semana, já estava na academia, treinando”, ele diz. Mas, ainda mais importante que o retorno, é o amadurecimento que o nadador diz ter enfrentado entre Pequim e Londres. No sorriso sem graça que abre ao ser perguntado sobre a nova namorada, o principal nadador do Brasil mostra que ainda guarda muito do menino tímido de Santa Bárbara d’Oeste. Mas, dentro d’água, surge Cesão, sempre disposto a superar ainda mais desafios.
- Sou um cara mais maduro agora. Basicamente, é isso. Foi isso que o tempo fez. Eu não consigo esconder as coisas. Se tem uma prova que eu não nadei bem, dou aquela entrevista emburrado. Não consigo ser ator, nunca consegui mesmo. Eu sou isso aqui, sou desse jeito. Tem hora que não dá para ganhar, tem hora que simplesmente não dá certo.
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